A proteção à saúde ocupacional dos trabalhadores em plataformas digitais

A proteção à saúde ocupacional dos trabalhadores em plataformas digitais Alguns fatos, fenômenos e crises, ocorridos no passado, somados a certas escolhas humanas, contribuíram para uma verdadeira “metamorfose” na relação capital e trabalho.   Ampliou-se a conhecida “economia digital”, também chamada de economia “compartilhada” ou “colaborativa” e, com ela, o trabalho “sob demanda” também cresceu, […]

A proteção à saúde ocupacional dos trabalhadores em plataformas digitais


Alguns fatos, fenômenos e crises, ocorridos no passado, somados a certas escolhas humanas, contribuíram para uma verdadeira “metamorfose” na relação capital e trabalho.
 
Ampliou-se a conhecida “economia digital”, também chamada de economia “compartilhada” ou “colaborativa” e, com ela, o trabalho “sob demanda” também cresceu, especialmente mediante a utilização de plataformas digitais.

Proporcionalmente a este crescimento, ampliou-se a exploração do potencial de milhões de pessoas, com transformações ocorridas também com relação às formas de trabalho, sua organização e sua regulação jurídica.

Não há dúvidas de que a pandemia da Covid-19 acelerou este quadro e intensificou o uso das plataformas digitais, face à adoção de medidas de distanciamento e isolamento sociais, o que contribuiu para a expansão dos meios remotos de trabalho e consumo.

Mas, o que são plataformas digitais?


As plataformas digitais são tipos especiais de sistemas, que concretizam verdadeiros modelos de negócios, com efetiva governança empresarial e política, articulados e conectados por meio de novos arranjos e novos tipos de prestação de serviços.

Funcionam por meio de tecnologia e, em um ambiente online, conectam o produtor, ou o fornecedor, ao consumidor.

Por meio de plataformas digitais, tornou-se possível estabelecer a conexão entre os consumidores ou “clientes finais”, que compram os produtos ou serviços, através do aplicativo, e os trabalhadores, tratados como “usuários prestadores de serviços” ou como “profissionais independentes”.

Programadores, médicos que atendem remotamente, professores que lecionam online, entre outros, são profissionais que prestam serviços por meio de plataformas digitais, mas o exemplo do qual utilizaremos como destaque para o tema diz respeito ao transporte de pessoas ou produtos, por meio de plataformas digitais.

E como é a relação entre os trabalhadores e as plataformas digitais de que se utilizam para a prestação de serviços?


Assim, no exemplo dado acima, as plataformas digitais conectam o consumidor aos entregadores dos produtos adquiridos ou ao motorista de transporte de pessoas.

O gerenciamento do trabalho dos entregadores e motoristas ocorre por meio de uma lógica algorítmica, criada pelas empresas, capaz de determinar quais são as entregas necessárias, quando e onde deverão ser realizadas, bem como o valor da contraprestação financeira do trabalhador. 

Nesse modelo de negócio, as empresas têm a firme convicção de que a relação instaurada com estes trabalhadores não configura um vínculo de emprego, sob o argumento de que o trabalhador será “empreendedor de si mesmo”, com total autonomia e flexibilidade.

Porém, muito se discute se existe, realmente, efetiva autonomia ou, na verdade, trata-se de um tipo de subordinação do prestador de serviços, o que contribuiu para aumento significativo no número de ações trabalhistas com formulação de pedidos de reconhecimento de vínculo de emprego.

Mas, independentemente do reconhecimento ou não do vínculo de emprego, como fica a responsabilidade das plataformas digitais com relação à saúde ocupacional do trabalhador?


A saúde ocupacional abrange o bem-estar físico e mental do trabalhador e também do ambiente de trabalho, com viés tanto de prevenção como de combate.

Como exposto, o crescimento da economia digital e, com ela, o das plataformas digitais, como modelo de negócio, é um fenômeno relativamente recente, sendo certo que o legislador constituinte, na década de 80, não imaginava que disciplinaria, também, este nicho de relação de trabalho.

Mas, a Constituição da República de 1988, ao relacionar os direitos dos trabalhadores, urbanos e rurais, o fez de forma ampla e o art. 7º, XXII, é expresso ao estabelecer o direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Ainda, a Constituição prevê a proteção ao meio ambiente do trabalho, no art. 200, VIII, e estipula, no art. 196, a universalidade do direito à saúde.

E encontramos, também no texto constitucional, mais precisamente no inciso II do art. 200, o resguardo à saúde do trabalhador, seja qual for o seu regime ou a natureza do trabalho.

Em consonância com o texto constitucional, o art. 157  da CLT determina que cabe às empresas “cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho” (inciso I), além do dever de instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto aos cuidados necessários para prevenção de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais (inciso II), a adoção de medidas determinadas pelos órgãos regionais competentes (inciso III) e, finalmente, o dever de facilitar o exercício da fiscalização, a ser exercida pela autoridade competente.

E embora haja quem defenda que citado dispositivo da lei trabalhista seja unicamente aplicável em relação de emprego, podemos, de todo modo, afirmar, com convicção, que a proteção constitucional é ampla e abrange, também, os trabalhadores que prestam serviços em plataformas digitais.

Alcança todos os que se utilizam ou se aproveitam do trabalho humano, empregados ou não.

As normas que tratam da proteção à saúde e à segurança do trabalho são consideradas normas de ordem pública, ou seja, são normas que disciplinam direitos indisponíveis, sobre os quais não há flexibilização no sentido de sua redução.

Na lei de terceirizações, a determinação de responsabilidade da contratante relativamente à proteção ocupacional é expressa!


A lei 13.429, de 2.017, regulamentou a terceirização no Brasil e determinou, de forma expressa, em seu artigo 3º, que a contratante é a responsável por garantir condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores.

Portanto, se um empregado de uma empresa prestadora de serviços sofrer algum acidente no ambiente laboral, este poderá ingressar com ação também contra a tomadora de serviços, o que reforça a necessidade de cautela nas contratações, mesmo que mediante terceirização.

Isto porque o artigo 5º da citada lei determina que a contratante dos serviços tem responsabilidade subsidiária, ou seja, será responsabilizada se a contratada não cumprir as obrigações trabalhistas decorrentes do período em que foi tomadora de serviços.

Concluímos, assim, que a citada norma confirma que é muito importante que a contratante faça uma prévia avaliação de todo o histórico financeiro, patrimonial e estrutural da contratada, e observe, atentamente, se a contratada atende às normas de saúde, segurança e higiene exigidas, com vigilância contínua porque podem ocorrer alterações durante o curso do contrato, quanto a estes aspectos.

Então, com relação aos fornecedores de serviços ou produtos em plataformas digitais, como fica a responsabilidade pela saúde ocupacional dos trabalhadores?


No âmbito da prestação de serviços mediante plataformas digitais, há casos em que os trabalhadores prestam serviços aos fornecedores, dos produtos ou serviços.

Estes fornecedores, por sua vez, é que estes estão atrelados, diretamente, à operadora do aplicativo.

Nesse formato de prestação de serviços, em regra, a responsabilidade entre os fornecedores, do serviço ou do produto, e a operadora do aplicativo é solidária, sendo importante atentar ao exposto pelo art. 264, do Código Civil: “Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”.

Há particularidades e entendimentos diversos sobre o tema quando o “pano de fundo” é a relação civil, comercial, consumerista.

Porém, caso haja riscos ocupacionais inerentes à própria atividade exercida ou ao serviço prestado, há, na jurisprudência, forte tendência ao reconhecimento da responsabilidade solidária e, ainda, objetiva.

Fortalece a necessidade de cuidados e ampliação da preocupação com a saúde ocupacional do trabalhador que se ativa mediante plataformas digitais o disposto pela lei federal 12. 997/2014, que modificou a CLT, para acrescentar o parágrafo 4º, e considerar perigosas as atividades do trabalhador em motocicletas.

Os motoqueiros entregadores, portanto, estão inseridos nesta disposição, tamanha necessidade de proteção e amplitude dos riscos a que estão sujeitos.

Todas estas disposições e interpretações, aqui citadas a título exemplificativo, objetivam reforçar orientação de cautela na escolha dos meios para execução das atividades, na avaliação dos riscos, inclusive psicossociais, eliminando-os ou reduzindo-os por meios técnicos e através do fornecimento de equipamentos de proteção individual.

A fiscalização também deve ser uma constante, assim como as orientações e cuidados, com imediata e completa assistência, em caso de infortúnios.

E, em acréscimo, citamos, também por oportuno, a lei 14.297/2.022, ainda não revogada, expressamente, que contém dispositivos acerca de medidas de proteção aos entregadores que prestam serviços por meio de aplicativos de entrega.

Citada lei possui artigo que indica que sua validade estaria limitada ao tempo de vigência da norma que reconheceu a emergência de saúde pública no Brasil, em razão da covid-19.

Entre as obrigações dispostas em lei, foi estabelecida a de assegurar ao trabalhador assistência financeira, caso este fosse contaminado pela covid-19.

Houve, também, por meio da mesma lei, a inserção do dever, imposto às contratantes, de contratação de seguro contra acidentes e fornecimento de informações sobre os riscos e cautelas necessárias.

Como o estado de emergência cessou, formalmente, há ampla discussão sobre a manutenção ou não de citadas obrigações e, no entendimento de alguns tribunais, permanece, independentemente de a lei estar em vigor, o dever de cautela das empresas, fornecedoras ou operadoras dos serviços em plataformas digitais, deve ser mantido, porque é inerente à saúde ocupacional do trabalhador, o que reforça o entendimento acima, acerca da interpretação dada ao texto constitucional (art. 7º, II). 

Desse modo, em caso de danos à saúde do trabalhador, empregado ou não, e do risco de reconhecimento de responsabilidade, seja ela direta, solidária ou subsidiária, objetiva ou subjetiva, recomendamos a assistência jurídica para orientação, prevenção e combate.

Conclusão


A compreensão acerca do crescimento do trabalho nas plataformas digitais é valiosa e não se limita ao aspecto tecnológico.

O trabalho em plataformas digitais envolve governança corporativa, política e novos modelos econômicos, porque gera forte impacto social e econômico-financeiro.

Um estudo promovido pela Universidade Federal do Paraná concluiu que cerca de 1,5 milhão de pessoas trabalharam para plataformas digitais, em 2021 e, deste montante, cerca de 850 mil trabalhadores são motoristas de aplicativos de transporte de passageiros. Trata-se de números significativos, portanto.

A saúde física e mental, também destes trabalhadores, deve ser observada e cuidada, face ao risco de responsabilização dos envolvidos, e não há dúvida de que este impacto se reflete principalmente na empresa que os contrata, direta ou indiretamente, razão pela qual orientamos, sempre, a assessoria jurídica prévia e permanente, para prevenção e combate de litígios, que acabam levando a perdas financeiras e queda da visibilidade da empresa envolvida, no mercado, relativamente aos parceiros e órgãos públicos.

Qualquer que seja o ambiente e a forma de realização do trabalho, autônoma, empregatícia ou outra, é importante observar a legislação e entendimentos jurisprudenciais, também no tocante aos critérios de sustentabilidade e salubridade, mesmo tratando-se de trabalho em plataformas digitais!

Caso tenha alguma dúvida sobre o tema, entre em contato com nossa equipe de Direito Trabalhista.