Desconsideração da personalidade jurídica no âmbito trabalhista

Desconsideração da personalidade jurídica no âmbito trabalhista Para o direito brasileiro, o ser humano é, desde o seu nascimento com vida, uma “pessoa natural” ou “pessoa física”, e sua existência termina com a morte. As pessoas jurídicas são, por outro lado, entes abstratos, que começam a existir a partir do registro de seu ato constitutivo […]

Desconsideração da personalidade jurídica no âmbito trabalhista


Para o direito brasileiro, o ser humano é, desde o seu nascimento com vida, uma “pessoa natural” ou “pessoa física”, e sua existência termina com a morte.

As pessoas jurídicas são, por outro lado, entes abstratos, que começam a existir a partir do registro de seu ato constitutivo em órgão próprio, onde também são indicadas todas as alterações e, se for o caso, o seu encerramento.

Assim, segundo o nosso ordenamento legal, as pessoas naturais e as pessoas jurídicas não se confundem. O mesmo ocorre relativamente aos bens.

Há separação, ou seja, autonomia patrimonial entre o capital da empresa e os bens que integram o patrimônio dos sócios ou dos administradores daquela.

Esta é a regra, que admite exceção, com a possibilidade de despersonalização da empresa, ou seja, de desconsideração de sua personalidade jurídica para o consequente alcance do patrimônio dos sócios ou administradores.

Esse é justamente o tópico que vamos abordar neste artigo.

O que é a desconsideração da personalidade jurídica?


A desconsideração da personalidade jurídica, ou despersonalização da empresa, é instituto jurídico caracterizado pelo afastamento da autonomia patrimonial existente entre a sociedade e seus sócios ou administradores.

De acordo com a Lei, ela não deve ser determinada por iniciativa autônoma do juiz, pressupondo pedido expresso da parte interessada.

Uma vez formulado semelhante pedido e, se houver elementos suficientes para o afastamento da mencionada autonomia patrimonial, o julgador acolherá o pedido do prejudicado e chamará os sócios à responsabilidade, com o cuidado de lhe preservar o direito à ampla defesa.

O contrário também pode acontecer, ou seja, é possível existir a responsabilização da sociedade por atos praticados pela pessoa natural, sócio ou administrador, como na hipótese de transferência de bens particulares do sócio à sociedade para dificultar execução dirigida ao primeiro. É o que se costuma chamar desconsideração inversa.

Em regra, a desconsideração da personalidade jurídica ocorre após o esgotamento das tentativas de cumprimento da obrigação junto ao devedor principal.

Assim, uma vez determinada a desconsideração, o direcionamento dos atos constritivos ao patrimônio do sócio por dívidas da sociedade, ou da sociedade por dívidas do sócio, passam a ser legítimos, com quebra da separação patrimonial outrora existente.

Hipóteses em que se pode desconsiderar a personalidade jurídica


O instituto da desconsideração da personalidade jurídica teve início no direito estrangeiro e os estudiosos, no Brasil, ao analisarem os casos concretos e com o objetivo de convencer os julgadores à aceitação dos pedidos formulados, desenvolveram algumas teorias.

Duas destas teorias são amplamente invocadas pelos doutrinadores e pelos julgadores nacionais. São conhecidas como “teoria menor” e “teoria maior”.

Teoria Menor ou Teoria Objetiva


Os defensores da aplicação da “Teoria Menor”, ou “Teoria Objetiva”, baseiam-se no disposto pelo artigo 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor, para argumentar que basta demonstrar o inadimplemento das obrigações, pela sociedade, para que a desconsideração da personalidade jurídica da empresa seja autorizada.

Para estes, é suficiente apontar a mera insolvência, a não localização de bens da empresa, o encerramento ou a inatividade da pessoa jurídica.

Adotam, assim, um caminho simples, objetivo, direto, para maior agilidade e melhor defesa dos interesses daqueles que são considerados hipossuficientes, ou seja, mais frágeis, mais vulneráveis, características inerentes ao consumidor e, como veremos abaixo, também ao trabalhador, nas relações de trabalho.

Teoria Maior


A “teoria maior” é formulada com base no exposto pelo art. 50, do Código Civil, e defende que o pedido de desconsideração deve ser fundamentado na existência e na comprovação de abuso da personalidade jurídica. Este abuso é caracterizado, por sua vez, pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, hipótese em que os efeitos de certas obrigações podem alcançar as pessoas físicas dos sócios ou administradores que se beneficiaram, direta ou indiretamente, deste abuso.

Para a caracterização do desvio de finalidade, é necessário comprovar que houve um ato intencional dos sócios, ou administradores, com o objetivo de fraudar terceiros. É preciso provar a má-fé na criação ou na utilização e gestão da pessoa jurídica, como, exemplificativamente, mediante a instituição de “empresas laranjas”, criadas para sonegar direitos trabalhistas ou deveres tributários, ou através da indicação de endereços similares das empresas, sócios ou administradores.

O apontamento de forma de gestão não condizente com a autonomia patrimonial, bem como a identidade no pagamento das contas ou na administração contábil de sócios ou administradores e a pessoa jurídica correspondente também são elementos que podem conduzir à conclusão de existência do desvio de finalidade.

A confusão patrimonial, por sua vez, é identificada quando não há real separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios e tem, na própria lei processual civil, exemplos de meios de prova para sua caracterização, com destaque para a demonstração do cumprimento repetitivo, pela sociedade, das obrigações do sócio, do administrador ou vice-versa, bem como a transferência de ativo ou passivo sem a efetiva contraprestação.

Os defensores da “Teoria Maior” adotam, assim, um caminho mais rigoroso e extenso para fundamentar e convencer o juízo acerca da necessidade de se afastar a autonomia patrimonial, para desconsiderar a personalidade da empresa e atingir os bens dos seus sócios ou administradores.

A desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho


Na esfera processual trabalhista, houve, por parte de muitos julgadores, uma forte resistência para adoção do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, sob o argumento de inexistência de regulamento legal específico.

Em 2016, inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho tentou uniformizar o entendimento acerca da aplicabilidade do incidente, porém a norma publicada não foi suficiente para alcançar a unanimidade dos julgados quanto ao tema.

Com a publicação da Lei Federal n. 13.467/17, conhecida como “lei da reforma trabalhista”, notamos substancial mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que, finalmente, trouxe disposição expressa acerca do assunto e alterou algumas interpretações sobre a matéria.

Entretanto, a publicação da lei não encerrou a discussão acerca da adoção das teorias “Maior” ou “Menor”, ambas amplamente embasadas, quando invocadas nos pedidos ou nas teses de defesa, quanto o tema é a desconsideração da personalidade jurídica das empresas.

Quais os entendimentos atuais sobre a desconsideração da personalidade jurídica nos tribunais brasileiros?


Para exemplificar uma situação clássica acerca da aplicação das teorias acima mencionadas, consideremos uma ação trabalhista fictícia, onde temos, de um lado, trabalhador que foi empregado de uma empresa, ou seja, de uma pessoa jurídica; que reivindicou direitos que reputava devidos perante a Justiça do Trabalho e que obteve, ao final, o reconhecimento de créditos junto à referida empresa.

A empresa, de sua parte, utilizou todos os recursos e prazos possíveis, até que o processo atingiu a fase de execução da dívida. A empresa deveria pagar ao credor, mas não o fez, não tinha dinheiro em conta e não possuía bens disponíveis para a quitação.

O trabalhador optou, então, pela formulação de um pedido de desconsideração da personalidade jurídica desta empresa e, atento às particularidades previstas em lei quanto à forma, pediu a responsabilização dos sócios pela dívida, mediante utilização de patrimônio próprio, ou seja, por meio de bens da pessoa física.

É natural que este trabalhador defenda a utilização da “teoria menor”, mais objetiva e que admite a mera caracterização da insolvência para que seja acolhido o pedido de desconsideração.

É também natural que um suposto sócio da empresa condenada, ao se defender em juízo, invoque a “teoria maior” para demonstrar que não houve o preenchimento dos pressupostos necessários para que a desconsideração seja acolhida.

Ficaria, assim, a cargo dos julgadores, a definição sobre o acolhimento de uma ou outra teoria.

Para alguns julgadores, após a reforma trabalhista, deve-se, obrigatoriamente, adotar a “teoria maior”.

Afirmam que a lei trabalhista, ao citar dispositivos da lei processual civil, acolheu, naturalmente, a necessidade de comprovação de desvio de finalidade e confusão patrimonial.

Evidentemente, este entendimento é fortemente combatido pelos defensores da “teoria menor”, que se firmam no caráter alimentar da verba trabalhista, para batalhar pela adoção de um procedimento mais simples e objetivo. Alegam que há real assimetria na relação existente na relação entre empresa e empregado, sendo este último considerado hipossuficiente, ou seja, é a parte mais frágil, mais vulnerável e que não pode assumir os riscos inerentes à atividade econômica.

Para os adeptos desta teoria, e a partir de diferentes interpretações das normas envolvidas, o simples fato da empresa não pagar no prazo delimitado pelo juiz, quando já esgotados os meios recursais, caracteriza a sua insolvência, o que é suficiente para embasar o pedido de direcionamento da execução para os sócios ou administradores da sociedade, sem a necessidade de prova de abuso de direito da pessoa jurídica.

Situações de Excesso na Desconsideração da Personalidade Jurídica


Não bastassem as discussões acerca das teorias aplicáveis, não raras vezes nos deparamos com decisões que ampliam excessiva e indevidamente as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, como acontece, por exemplo, em determinações de medidas constritivas contra ex-sócios que já haviam saído da empresa muito antes de qualquer ato e/ou fato constitutivo do crédito posteriormente formado e/ou que não permitem exercício regular do direito de defesa pelo sócio respectivo.

Em casos tais, que costumam causar transtornos enormes e inesperados aos prejudicados, tais como bloqueios repentinos de elevados valores em contas correntes e investimentos, costumam ser necessárias medidas jurídicas urgentes que visem à recondução das medidas aos parâmetros e limites da Lei. Nessas hipóteses, e mesmo quando as medidas urgentes são rapidamente deferidas, remanescem aos prejudicados, muitas vezes, uma sensação de injustiça e/ou inconformismo pelos danos decorrentes do excesso e que, em regra, dificilmente poderão ser reparados em sua integralidade.

Conclusão


Vimos, então, que a autonomia patrimonial busca preservar direitos de propriedade independentes entre as pessoas jurídicas e seus sócios, favorecendo princípios como o da livre iniciativa, liberdade econômica, entre outros.
Em determinados casos, contudo, notadamente em situações de ilícitos e/ou de busca pela proteção de direitos coletivos e/ou sociais, essa autonomia pode ser mitigada, em parâmetros que ainda não estão totalmente definidos na Jurisprudência, do que decorre insegurança jurídica a ser superada com novas regulamentações legais e/ou com a pacificação de entendimentos nos Tribunais.

Alinhamento neste sentido contribuirá, também, para agilidade na análise e conclusão dos processos, além de prestigiar e preservar a boa-fé nas relações.

A equipe trabalhista do GN está à disposição para contribuir no que for necessário.

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