O Código de Ética e Conduta como ferramenta de efetividade do compliance na aplicação da justa causa


O compliance, comumente utilizado em âmbito mundial, ganhou força, no Brasil, após a promulgação da lei 12.846/2.013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, cujo texto prevê a responsabilização das pessoas jurídicas em caso de prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Antes desta lei, algumas normas esparsas regularam a matéria, especialmente diante da abertura do mercado internacional e da necessidade de alinhamento aos padrões éticos e de combate à corrupção, já existentes no exterior.

Em 1.998, por exemplo, houve a publicação da lei de combate aos crimes de “lavagem do dinheiro” (lei federal 9.613/1.998), quando também foi criado o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, responsável pela fiscalização e adoção de medidas disciplinares em caso de identificação de atos ilícitos, cuja função era receber, examinar e identificar operações financeiras suspeitas.

Mas, foi, sem sombra de dúvidas, a “Lei Anticorrupção” que trouxe sanções mais severas, como a aplicação de multas de até 20 (vinte por cento) do faturamento bruto e a possibilidade de dissolução compulsória da empresa.

Esta lei trouxe, também, previsão de redução de sanções a empresas que cooperarem com as autoridades na apuração das infrações e que adotarem procedimentos internos de auditoria e fiscalização, que possibilitem a denúncia de irregularidades, sempre com o objetivo de construir uma sociedade mais justa e ética, e para tornar o mercado mais equilibrado, mais “limpo”.

Ampliou-se, então, a adoção do compliance empresarial, com zelo ao cumprimento de regulamentações essenciais ao bom funcionamento do mercado, nacional e internacional, sendo certo que este último é ainda mais exigente quando o assunto é corrupção, e resistente ao risco de envolvimento em escândalos.

A conduta ética e a atenção à probidade tornam-se, portanto, cada vez mais comuns, também no Brasil, interessado no crescimento destas parcerias e de sua maior participação neste cenário, que encontra maior abertura entre as empresas que adotam o compliance como regra.

Outro fator que contribuiu para maior adoção do compliance empresarial reside no fato de que os consumidores se tornaram mais exigentes no tocante à qualidade e transparência das informações prestadas pelos produtores e fornecedores de produtos e serviços, públicos e privados.

Fato é que o desenvolvimento de mecanismos internos para o cumprimento da legislação, tanto para adequação à norma como para ampla informação aos clientes, demonstra crescimento e maturidade no tocante à compreensão acerca da responsabilidade social da corporação.

O compliance trabalhista e sua importância


Como exposto, o compliance fortaleceu-se no âmbito empresarial, e como as relações de trabalho lhe são inerentes, o compliance no âmbito trabalhista também alcançou, com extrema rapidez, um valor real e cada vez mais significativo.

O compliance trabalhista, adotado também mediante critérios de transparência e adequação às normas vigentes, pode evitar, e também minimizar, a responsabilização da empresa no âmbito judicial e extrajudicial e, por consequência, é capaz de evitar prejuízos à imagem e aos cofres da instituição.

Sua adoção tem a vantagem de motivar a realização de auditorias internas e permanentes, sempre com o objetivo de apurar, prevenir e combater violação a direitos trabalhistas, com proteção a sua reputação e saúde financeira, além de proporcionar melhoria contínua no clima organizacional.

Então, podemos afirmar que as regras do compliance incorporam-se ao contrato de trabalho?


Sim! O compliance pode ser instituído através do regimento interno ou por meio de documento diverso, de forma autônoma, podendo, ainda assim, integrar o contrato de trabalho, se observadas as cautelas necessárias.

Antecipamos, aqui, que é muito importante a empresa zelar pela ampla divulgação acerca de sua implementação e conteúdo, utilizando-se de mecanismos hábeis a comprovar o recebimento e ciência das normas e treinamentos, zelando, sempre, por transparência.

E mais, recomendamos cuidado para que exista documentação hábil a ser utilizada como prova, no âmbito administrativo ou judicial, se necessário.

Exemplos de ferramentas utilizadas no compliance trabalhista


Vimos, até aqui, que o compliance é, indiscutivelmente, um importante instrumento de governança corporativa.

Na prática, sua instrumentalização ocorre por meio de ferramentas diversas, selecionadas livremente pela empresa, conforme suas características próprias, para que haja efetivação de seu propósito.

Entre as ferramentas utilizadas, habitualmente, podemos citar o gerenciamento de riscos que, em suma, define as ações que devem ser adotadas, de acordo com a realidade e condições da empresa, além de sua posição no mercado.

O canal de denúncias também é uma ferramenta útil, por meio do qual são compartilhadas informações que podem auxiliar nas investigações internas, destinadas a proteger a empresa contra comportamentos antiéticos. Podem, ainda, inibir desvios de conduta e melhorar o ambiente de trabalho.

E, por fim, embora possamos citar muitas outras ferramentas, entendemos ser valioso para o tema o enfoque a ser dado ao Código de Ética e Conduta, objeto deste estudo.

Este Código contém, em regra, normas de controle e procedimentos específicos, destinados a reduzir o risco de ocorrência de práticas ilícitas ou inadequadas por parte dos colaboradores da empresa, como suborno, corrupção, improbidade, mas pode regular, ainda, normas comportamentais e disciplinares.

O Código de Ética e Conduta é o instrumento destinado a expressar e dimensionar a cultura organizacional da empresa, adequando-a aos seus objetivos. Quando bem elaborado, pode proporcional aos envolvidos efetiva proteção e crescimento.

E, reforçamos: para que um Código de Ética e Conduta alcance efetividade, é preciso que ele seja elaborado em linguagem clara, direta, objetiva.

Recomendamos que seja amplamente divulgado a todos os colaboradores, parceiros, clientes (consumidores), pelos meios disponíveis, físicos ou digitais, sendo certo que ele pode regular e viabilizar a efetiva utilização dos demais instrumentos, inclusive o canal de denúncias.

O Código pode ou não estar vinculado diretamente ao Regimento Interno, e a empresa pode estabelecer, de forma expressa, que ele integrará o contrato de trabalho, o que é interessante para eliminar qualquer dúvida a este respeito.

E, uma vez implementado, se as regras estipuladas no Código forem desrespeitadas, o colaborador estará, sim, sujeito a punições, que podem ensejar desde uma advertência verbal até uma justa causa, conhecida como “pena máxima”, dada a dimensão de seus efeitos, nas esferas pessoal, financeira e profissional do empregado.

Recomendamos, assim, que sua elaboração conte com a assessoria especializada no compliance trabalhista.

Assim, podemos afirmar que o Código de Ética e Conduta pode fundamentar a aplicação de uma justa causa!


O art. 482, da CLT, relaciona as hipóteses que autorizam a aplicação da justa causa: ato de improbidade; incontinência de conduta ou mau procedimento; negociação habitual, por conta própria ou alheia, sem permissão do empregador; condenação criminal; desídia no desempenho das suas funções; embriaguez habitual ou em serviço; violação de segredo da empresa; ato de indisciplina ou insubordinação; abandono de emprego; ato lesivo à honra; prática de jogos de azar; perda da habilitação ou dos requisitos previstos em lei para o exercício da profissão, em razão de conduta dolosa do empregado.

Não há dúvidas de que quanto mais claras as regras, mais fácil a adequação às mesmas, e a comprovação de seu eventual descumprimento.

Também não restam dúvidas de que o Código de Ética e Conduta é valioso na formulação, apresentação e atenção a essas regras.

A justa causa é uma punição severa, razão pela qual permanece a firme tendência à formulação de pedidos de sua reversão, o que é matéria corriqueira nas cortes trabalhistas.

Se aplicada, este tipo de demissão impede o recebimento, pelo empregado, dos valores afetos a aviso prévio, 13º salário, multa do FGTS e seguro-desemprego. Ele só recebe saldo de salários e férias vencidas, com acréscimo do terço constitucional. 

O trabalhador fica, ainda, com uma “mancha” em sua carreira profissional, e tem que lidar, sob o ponto de vista de sua vida pessoal, com as consequências do reconhecimento de sua dispensa motivada.

Estas são algumas das razões pelas quais é conhecida como “pena máxima” e analisada com muita cautela, pelos julgadores, quando a discussão acerca de sua legitimidade e proporção alcançam o Judiciário.

Notamos uma ampliação da inserção, pelas empresas, em sua tese de defesa, da observância das ferramentas de compliance na aplicação de punições, especialmente a utilização de disposições expressas em Código de Ética e Conduta.

As defesas detêm, assim, maior credibilidade ao argumentar a motivação da decisão das lideranças corporativas, também no âmbito disciplinar.

Importa assinalar, portanto, que se contiver regras claras e completas, o Código de Ética Conduta é instrumento valioso, tanto para a proteção das lideranças como dos subordinados, por conter regras claras acerca das normativas e também dos procedimentos de apuração de eventuais faltas. Por consequência, a empresa fica melhor resguardada, o que é de extrema importância diante do fato de que é ela quem responde por atos de seus prepostos.

Em recente acórdão, publicado em 21/10/2.022, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região confirmou uma dispensa por justa causa aplicada a trabalhador que participava de quadro societário de outra empresa do mesmo ramo do empregador (processo 0011167-32.2021.5.18.0008).

A dispensa foi motivada por concorrência desleal com a empregadora, na qual o trabalhador atuava como sócio administrador e onde recebeu cópia do Código de Ética e Conduta, que continha regra clara e expressa no sentido de que tais atividades eram contrárias aos valores da empregadora e, portanto, eram proibidas, sendo a falta passível de demissão por justa causa, sem previsão de gradação de penas.

Se o Código de Ética e Conduta atende aos pressupostos de transparência e divulgação ampla, tende a ser reconhecida pelos julgadores como prova hábil a manter a justa causa, e pode ser apresentado com outras provas, como boletins de ocorrência, por exemplo.

Já o boletim de ocorrência, sozinho, representa tão somente a declaração do fato e não o fato em si, e tem sido considerado, pelos julgadores, mero indício de prova que, sozinho, não alcança o valor probatório almejado.

É valioso registrar que a justa causa, para ser mantida, requer provas robustas e o ônus de sua correta aplicação e pertinência recai sobre a empresa.

Assim, também com base na análise de fundamentos expostos em julgados das cortes trabalhistas, podemos concluir que a correta utilização das ferramentas do compliance é capaz de sustentar, de forma satisfatória, a aplicação da “pena máxima”.

Uma investigação interna, transparente e suficientemente ágil para atentar ao requisito da imediatidade na aplicação da punição, também é um fator extremamente favorável à tese da empresa, quando bem executada e documentada, destinando-se a instrumentalizar fortemente a defesa empresária.

Mencionada agilidade requer a observância de um prazo máximo de 30 (trinta) dias, prazo este não previsto em lei, mas já sedimentado, em entendimento comum. Se ultrapassado, há risco de configurar um “perdão tácito” acerca da falta cometida.

Mas, nada impede que, eventualmente, este prazo seja ultrapassado, o que requer, por cautela, a fundamentação da complexidade da matéria objeto de investigação ou outros argumentos válidos e justificáveis, para que não haja prejuízos à empresa.

Encontramos, na jurisprudência, entendimento no sentido de que este prazo de (30) trinta dias só começa a correr após a conclusão das investigações, um fator muito positivo para a manutenção da qualidade da apuração da falta e confecção dos meios de prova, para o firme convencimento do juízo.

A observância destes e outros detalhes contribuem para o sucesso da demanda e podem ser detalhados no Código de Ética e Conduta.

Conclusão


O compliance, além de trazer aspectos positivos para a cultura organizacional da empresa, pode levar a uma redução representativa de gastos por parte da corporação, e melhorar sua imagem perante o mercado e perante o juízo.

A empresa que o institui passa a adotar uma postura transparente, no tocante ao cumprimento da legislação, o que traz como consequência a redução no número de ações trabalhistas e autuações administrativas.

Os cuidados devem nortear a elaboração das normas, a condução das investigações, a instrumentalização das provas, tudo com plena observância da legislação e jurisprudência aplicável, inclusive no tocante a requisitos inerentes às punições existentes em lei, para que sejam coerentes com o porte, a cultura e o perfil da empresa, colaboradores, parceiros e clientes.

Especificamente no tocante ao compliance trabalhista, pudemos observar, na prática, que a boa escolha das ferramentas e o cuidado na elaboração das normas, aliadas a um processo de investigação interna feito de acordo com as boas práticas de compliance, alinhados à lei e à jurisprudência brasileiras, são capazes de afastar a tão temida reversão da demissão por justa causa, que traz consequências às finanças e à moral da empresa.

Finalmente, reforçamos que uma empresa que possui normas, previstas em códigos ou regulamentos, com clareza acerca das políticas de advertência e demais punições, efetivamente levados ao conhecimento de todos os colaboradores, estará à frente na garantia de um ambiente de trabalho mais seguro para todos os envolvidos.

Conte, assim, com uma assessoria jurídica especializada e contínua!

Caso tenha alguma dúvida sobre o tema, entre em contato com nossa equipe de Direito Trabalhista.


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