Acordo de bloqueio e as cláusulas restritivas à transferência de ações
A rigor, o nascimento das sociedades contratuais (como é o caso das limitadas) e as estatutárias (como é o caso das sociedades anônimas), ocorrem mediante o registro do seu contrato social ou do seu estatuto social na Junta Comercial.
Tais documentos demandam o preenchimento de requisitos formais previstos em lei, tais como o nome da sociedade, sua atividade, prazo de duração, endereço, política de distribuição dos lucros, divisão do capital social.
Para além dos requisitos formais necessários para o registro das sociedades, existem diversas questões relevantes e que ditarão o funcionamento das sociedades e como se dará a relação entre os sócios.
É verdade que não há óbice legal para que tais questões também estejam previstas no contrato social ou estatuto. Mas, muitas vezes, por serem temas particulares e sensíveis, o mais comum tratá-los e regulá-los por meio de um documento não público, especialmente visando a garantia da confidencialidade das disposições.
Para regular os direitos e obrigações que transcendem as previsões contidas no ato constitutivo da sociedade, os sócios se valem de um instrumento contratual parassocial denominado acordo de sócios ou quotistas, quando firmado no âmbito de uma sociedade limitada, ou acordo de acionistas, quando firmado no seio de uma sociedade anônima.
O acordo de sócios é um instrumento particular que pode ser firmado entre todos os sócios, grupos de sócios ou parte deles, e tem como principal objetivo regular direitos e deveres dos titulares das quotas ou ações, além das regras de comportamento entre os sócios, como, por exemplo, os direitos de voto e de veto, direitos relativos a transferências de quotas ou ações, dever de não concorrência dos sócios em relação à sociedade, direito de confidencialidade, e as formas de resolução de conflitos.
O acordo de sócios ou de acionistas está previsto na Lei das Sociedades Anônimas, em seu art. 118, sendo que a sua utilização nas sociedades limitadas se dá pela aplicação analógica da Lei de S.A, como autoriza o disposto no art. 1.053 do Código Civil.
Como todo contrato, para que seja válido é imprescindível que o acordo observe os requisitos previsto no art. 104 do Código Civil, sendo firmado por pessoas capazes, com objetos lícitos, possíveis, determinados ou determináveis e em forma prescrita ou não proibida por lei.
Além disso, para manter hígida a sua validade, o acordo de sócios não pode afrontar determinação legal e nem desrespeitar as previsões do contrato ou estatuto social.
Além das cláusulas usuais que versam sobre a composição da administração ou direito de voto e de veto acima mencionadas, é muito comum a utilização do acordo de sócios para disposições que prevejam restrições à transferência das ações ou quotas. São os chamados acordos de bloqueio.
Cláusulas de bloqueio nas sociedades:
É verdade que a lei prevê que a cessão ou transferência (compra e venda) total ou parcial de quotas, entre dois ou mais sócios, é livre e não depende da anuência dos demais, para o caso das sociedades limitadas. Tal liberdade não se observa caso a cessão total ou parcial se dê a um terceiro, logo não-sócio. Neste caso, a Lei (art. 1.057 do CC) prevê autorização (ou não oposição) de sócios cujas quotas representem mais de 1/4 (um quarto) do capital social, sendo que tal regra somente se aplica no caso de omissão do contrato social.
Isso porque o contrato pode conter outras regras, mais ou menos rígidas prevendo, por exemplo, a livre transferência total de quotas, inclusive para terceiros ou até a necessidade de aprovação pela unanimidade dos demais sócios, ou da não oposição de nenhum sócio.
No caso das sociedades anônimas, a transferência ou cessão (compra e venda) total ou parcial de ações a rigor é livre, tanto entre os sócios (acionistas) quanto entre um sócio e terceiro, não dependendo do consentimento dos demais sócios em nenhum caso. Mas, sendo a sociedade anônima fechada (cujas ações não sejam negociadas em bolsa de valores), há previsão legal que autoriza os sócios instituírem limitações à circulação de ações, seja entre sócios, seja para terceiros.
As cláusulas mais comumente utilizadas para essa finalidade são: a) lock up; b) standstill period; c) venda em bloco; d) direito de preferência; e) tag along; f) drag along; f) shot gun; h) call option; i) put option; e j) full ratchet clause, as quais serão adiante explicadas.
Lock Up: significa “trancar” ou “bloquear”. Essa cláusula nada mais é do que o impedimento de venda de ações por um determinado período, geralmente no início da sociedade e/ou após a entrada de um investimento. A realização de qualquer venda na vigência da cláusula de lock up é considerada nula de pleno direito, sem prejuízo da aplicação ao acionista de sanções eventualmente previstas no acordo.
Standstill Period: mais conhecida como período de salvaguarda, esta é uma cláusula que serve normalmente para complementar o Lock Up. Ela se presta para impor certo limite ao acionista controlador em relação à diminuição da participação abaixo de determinado limite e durante determinado período. A sua finalidade é trazer segurança aos investidores ao se evitar a transferência do controle da sociedade.
Venda em Bloco: trata-se de uma determinação de que toda alienação de ações deverá abranger a totalidade das ações da S.A. ou todas as ações do bloco signatário do acordo de acionistas. O efeito prático desta cláusula é impedir a venda de ações em partes ou fracionadas.
Direito de Preferência: garante que, antes da transferência das quotas ou ações por um sócio a um terceiro, seja dada a preferência de aquisição aos demais sócios, nos mesmos termos e condições da oferta recebida. Esse direito de preferência comporta subdivisões: o direito de primeira oferta, que tem como objetivo impor ao acionista que deseja alienar suas ações que notifique os demais acionistas manifestando seu interesse na venda, antes de ofertar a terceiros, e o e o direito da primeira rejeição, que obriga o acionista a oferecer o direito de compra primeiramente aos demais acionistas da S.A., quando as suas ações forem alvo oferta de compra formulada por pessoa estranha ao quadro societário.
Em caso de recusa ou desinteresse dos acionistas, a venda deve ser concluída para o terceiro nos exatos termos oferecidos.
Tag Along: também conhecida como o direito de venda conjunta, essa cláusula prevê que, em caso de venda de mais da metade do capital social a terceiro, os minoritários terão o direito de exigir que suas participações sejam vendidas juntamente com as quotas ou ações do sócio ofertante, nas mesmas condições de negócio. Essa cláusula tem a finalidade de garantir ao acionista minoritário o direito de participar, nas mesmas condições, de uma negociação em que o acionista majoritário venda suas ações a terceiros. Logo, visa proteger o direito dos minoritários, pois evita que o acionista minoritário seja obrigado a permanecer em uma nova configuração societária, composta por sócios que não escolheu e com os quais não possua afinidade ou qualquer relação.
Drag Along: é um direito típico de controlador, na medida em que prevê que caso os sócios majoritários recebam uma oferta de venda do controle, e caso não seja exercido o direito de preferência pelos demais sócios minoritários, estes deverão necessariamente vender também a totalidade das suas participações ao comprador, nas mesmas condições. Funciona em sentido oposto à cláusula Tag Along, já que obriga a venda, pelos minoritários, em conjunto com os majoritários. É, pois, nitidamente, um direito dos controladores.
Shot Gun: trata-se de um mecanismo de compra ou de venda compulsória de ações, que dispara caso ocorra alguma situação conflituosa cuja solução amigável se torne inviável. Ocorrendo o fato, que pode estar previamente estabelecido ou não no acordo, um dos sócios pode notificar o outro, ativando essa cláusula e exigindo que o sócio notificado venda as suas quotas ou ações pelo valor proposto pelo notificante ou que o notificado compre a totalidade das quotas ou ações do sócio notificante nas mesmas condições por este ofertadas. A cláusula shot gun funciona, então, como forma não ortodoxa de solução de conflitos entre sócios, que se opera mediante a saída compulsória de um deles.
Pela natureza reversa da cláusula, ela também força que a oferta do notificante seja em valor justo, já que o valor vinculante da oferta poderá ser tanto para a compra da participação do outro sócio, como para a venda da sua participação ao outro sócio.
Call Option: é uma cláusula de opção de compra que assegura ao acionista ou à própria companhia o direito de comprar compulsoriamente as ações de outro acionista em determinado momento, ou a qualquer tempo. As opções, condições e hipóteses de call option já devem estar previstas no acordo de acionistas ou no Estatuto. Esta cláusula é comumente utilizada em benefício dos acionistas controladores, com a finalidade de garantir que os demais acionistas cumprirão as obrigações previstas no acordo.
Put Option: esta cláusula representa o avesso da Call Option, na medida em que assegura ao acionista a opção de venda de suas ações, podendo este exigir que os demais acionistas ou a própria companhia adquiram suas ações de modo compulsório, também em situações, condições e hipóteses previamente previstas. Esta cláusula é usualmente utilizada por investidores quando de sua saída da companhia, após findo o prazo de retorno de investimentos, por exemplo.
Conclusão:
As cláusulas acima trazidas não são exaustivas. A lista se trata, na realidade, de um conjunto das cláusulas que tem sido mais comumente utilizado quando o intuito é a restrição de transferência de ações e que se operam com o intuito de proteger as classes de sócios das companhias e àqueles signatários do pacto.
Ressalvados eventuais abusos, o acordo de bloqueio representa uma importante ferramenta para compor o acordo de acionistas e é capaz de dar maior segurança na relação jurídica entre acionistas e sociedade, proteger os signatários do acordo de sócios e de afastar conflitos desnecessários e prejuízos à operação.
De toda sorte, a avaliação das cláusulas que deverão compor o acordo de sócios e de quais direitos e deveres demandam proteção, depende da análise da estrutura jurídica e societária da empresa, da sua atividade, dos negócios por ela desenvolvidos e dos interesses dos sócios. Contar com assessoria jurídica especializada e qualificada é determinante para a eficácia das disposições.
Caso tenha alguma dúvida sobre o tema, entre em contato com nossa equipe de Direito Societário.
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